sábado, 13 de dezembro de 2008

Dia de feira #1 - Feira da Praça XV (Cont...)


Ela vende o que todos precisam


— Pra tirar foto são 100 reais. E não vai tirar foto do que essa barraca tem de mais bonito? Eu! – disse a vendedora de uma tenda, enquanto passávamos filmando a feira.

Brincadeiras como essa fazem a barraquinha de Rose Duarte de Paiva se destacar no meio do mar de antiguidades e quinquilharias da Feira da Praça XV. Depois da filmagem, voltamos para conversar com a vendedora descontraída e, claro, tirar uma foto do que barraca tem de mais bonito.


O que a barraca tem de mais bonito

Rose brinca com todos que passam em frente a sua tenda, onde vende de tudo, de bijuterias a brindes de Kinder Ovo, passando por Playboys antigas, molduras diversas e uma cabeça de cavalo de gesso medindo quase meio metro de altura. “Eu vendo tudo o que todos precisam”, diz. Dos que passam, alguns são compradores antigos e ela cochicha em nosso ouvido a história do transeunte: “Esse aí, tadinho, queria comprar um anel de prata, bonito, de uns setenta reais. Ele só tinha cinqüenta. Vendi. Imagina se eu vou deixar o homem sair da feira sem esse anel?” explica Rose enquanto o homem negro e baixo se aproximava acompanhado da irmã para agradecer a vendedora mais uma vez. “Ih, esse aí vai voltar sempre agora.”, diz balançando as dezenas de pulseiras que carrega nos braços.

Assim foi a nossa longa conversa com Rose, entrecortada por diversos compradores que a agradeciam e comentavam a bondade da vendedora. “Eu, graças a Deus, vendo porque quero, porque é meu carma” afirma. Ela gosta do jogo de sedução que envolve uma venda. “Eu gosto de vender ilusões”, diz, contando que tem alma “meio-cigana”, “por isso que eu uso esses vestidões. O pessoal até acredita!”.

Segundo ela, cada objeto tem histórias e sentimentos que foram destinados ao comprador. “Como eu posso interferir na vida de outra pessoa assim? Vai ver aquilo é o que ela buscou a vida inteira!” afirma e emenda na história de um “homem feito” que achou em sua barraca um tazo que procurava há sete anos. “Ele me abraçou tanto, me beijou tanto, queria me oferecer não sei quantos reais. Mas não, aquele tazo era pra ser dele. Dei.” Esse desprendimento que Rose tem em relação aos artigos que vende pode se dizer que é característica única na Feira da Praça XV. Os vendedores tripudiam dos corações (e dos bolsos, principalmente) dos colecionadores aficionados que não medem cifras para ter mais um item de sua coleção.

Ela conta a história de uma senhora que foi à Feira no seu aniversário de oitenta e dois anos e se apaixonou por um conjunto de brincos com colares prateados, cravados com algumas esmeraldas e “um detalhezinho de rubi, muito chique mesmo”. Mas seu dinheiro tinha sido gasto em outros presentes e pediu que Rose guardasse o conjunto que semana que vem ela voltaria e o compraria. Conversaram muito: a senhora era de Paquetá, tinha sido muito rica quando casada com um militar da aeronáutica, mas perdeu toda a fortuna e agora vivia sozinha de forma modesta. Enquanto conversavam, Rose pegou as jóias, embrulhou em um pacotinho e quando se despediu, entregou-o à senhora, que ficou muito emocionada. Na semana seguinte, lá estava ela de novo na feira, mais uma vez na barraca de Rose, acompanhada de uma mala com muitos itens de valor, “até mesmo canetas Parker!”, que deu para Rose, afirmando que ela era uma das melhores mulheres que conhecera.

Mas Rose também vende. E pechincha. Enquanto conversávamos um senhor parou perguntando o preço de uma moldura dourada de mais de 50cm de altura. Ela sorriu e informou: 200 reais. O senhor vestia um boné que tinha um óculos escuros acoplado na aba, provavelmente aquisição da Feira. Contorceu a boca, agradeceu com a cabeça e se virou. Em breve ele voltaria, pronto para barganhar: “Qual o seu preço mínimo?”. Rose não titubeou: “Pro senhor, com um chapéu bonito desses, 150 reais!”. O senhor resmunga mais um pouco, fala do martírio que é ter bom gosto, explica que é pintor de borboletas e se chama Leonardo. Ao longo da conversa, ele conta que é diretor do Hospital Pró-cardíaco, no Humaitá e já tratou artistas renomados como Di Cavalcanti. “Recusei tela dele por falta de espaço... Quanto vale uma dessas hoje em dia, imagina?”. O Sr. Leonardo sai carregando a moldura no ombro, como se seu braço fosse uma pintura viva enquadrada. “Vou-me embora antes que ela me faça pagar os outros cinqüenta reais!”.

Rose tem dez anos de Feira e conta que nunca deixou de montar ali sua barraquinha, nem mesmo enquanto lutava contra um câncer que a obrigou a mastectomizar um seio. Ela afirma que a doença foi desenvolvida em razão da tristeza que acumulou nos anos em que trabalhou em orfanatos, onde presenciava o descaso e a corrupção das entidades constantemente. “Se a gente quer ajudar alguém nesse país, tem que fazer sozinho. É assim que eu resolvi fazer” afirma Rose. Dessa forma, ela começou a ajudar sessenta crianças no bairro de Piedade. Na Feira, ela está sempre pedindo aos conhecidos que lhe tragam brinquedos “porque as minhas crianças adoram”. Além das sessenta crianças que ajuda, Rose tem 21 sobrinhos, um brechó e uma empresa de limpeza. É casada e sua única filha, Mariana, tem 23 anos.

Terminamos nossa conversa prometendo voltarmos semana que vem, com brinquedos. Gostei de um anel à mostra na barraca. Perguntei o preço. Rose pegou o anel e, conversando comigo, foi colocando-o em meu dedo. Quando ele entrou, coube certinho: “Esse anel foi feito pra você!”. Eu fiquei bem feliz, porque tenho dedos grossos, não é fácil achar anéis que caibam tão perfeitamente. Pedi pra ela guardar que semana que vem compraria. Claro que não, Rose nem tirou o anel do meu dedo e repetiu “ele foi feito pra você!”. Agradeci, dei uma grande abraço naquele figura pequenina no que ela me responde: “Que isso, não agradece uma coisa tão espontânea assim. Esse anel ainda vai ter dar muitas felicidades!”, profetizou nossa cigana da Praça XV.

Aqui um vídeo, à la Tapa na Pantera, no qual Rose explica porque vende o que vende, como vende e porque vende na Feira da Praça XV, Rio de Janeiro.


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